domingo, 11 de setembro de 2011

entrevista: janaina alves


há cerca de quatro anos eu conheci uma gateira no trabalho. eu estava começando meu voluntariado no aug e todos meus interesses estavam voltados para a ajuda animal. hoje consegui equilibrar todos os aspectos da vida e consigo ser voluntária, sem deixar de me divertir, descansar e fazer as coisas normais que uma pessoa de 33 anos faz.

de todas as várias conversas que tive com a rose, esta colega gateira, a que mais me chamou atenção foi sobre uma matéria que ela havia lido sobre uma mulher que fugiu do líbano com um gato na mochila. ela era a moderadora da comunidade gatos no orkut e havia acompanhado tudo bem de perto.

em plena guerra e com os brasileiros fugindo de lá, esta mulher não deixou o gatinho dela para trás e cruzou a fronteira da síria com o gato no colo. chegou ao brasil sem lugar para ficar, arrumou quem cuidasse dele por alguns meses até achar uma casa. neste meio tempo, visitou o gatinho frequentemente, mesmo morando do outro lado da cidade.

aquela história me marcou tanto, que passei a acreditar mesmo que podemos tudo. que temos alternativas e que abandonar um animal é a mais fácil delas, mas não a mais digna. mesmo sem conhecer aquela pessoa e sem nunca ter lido a tal matéria, eu sempre pensava naquele gatinho libanês e espalhava a notícia sempre que podia. era minha obrigação fazer com que as pessoas soubessem que existe pessoas que simplesmente fazem o que tem que fazer!

aquela brasileira, com certeza, era para mim um exemplo de amor verdadeiro.

o que eu não sabia quando ouvi esta história, era que um dia meu caminho se cruzaria com o da janaina, a dona do gatinho nemo, o sortudo que saiu do líbano para o brasil.  só que um dia, ela me procurou via adote um gatinho, pois estava mudando de apartamento e o condomínio não queria deixá-la colocar as telas e ela, obviamente, estava super nervosa com a situação.

bom, ela conseguiu resolver mais um desafio e ainda me concedeu uma entrevista super bacana e assim, podem saber de fato o que aconteceu nesta aventura da vida real!

aproveitem!

por que você morava no líbano? o que fazia lá?
meu namorado, hoje marido, é libanês. ele morou em s. paulo por um tempo a trabalho e, quando terminou o projeto, teve que voltar para o país dele. depois de cinco meses de namoro à distância eu deixei tudo aqui e fui morar com ele. como eu não conhecia o idioma ficava difícil trabalhar, e sem trabalhar era complicado pagar um curso para aprender o idioma. fui aprendendo aos poucos, pois árabe é muito difícil!! ainda bem que eles falam inglês (e francês), assim dava para me comunicar de alguma forma! depois de algum tempo prestei alguns serviços na área de arquitetura para um escritório, cujo dono falava português.



quando decidiu adotar o nemo?
quando deixei o brasil, minha gata minou ficou com minha mãe e irmão. sentia muito a falta de minha família, o que incluía a minou. comecei a procurar um filhote para adotar, mas para minha surpresa, lá não é fácil como aqui!! os petshops vendem os filhotes, mesmo que sejam srd. e custam em média us$100.  parece que por causa do inverno rígido (sim, no líbano neva no inverno!) os gatos/cachorros nãoe procriam tanto. fui a dezenas de petshops e nada, até que tive a ideia de procurar alguma ong no google, e achei a beta.


preenchi o formulário de adoção e eles entraram em contato dias depois. marcamos de ir a uma clínica veterinária em beirut para escolher um gatinho, o veterinário era voluntário da ong e os gatos não ficavam com ele, só estavam lá naquele dia por minha causa.  tinha uns dez filhotes, entre três e seis meses e é claro que fiquei na dúvida sobre qual escolher!! pedi para eles abrirem a porta do gatil e advinha o que aconteceu? o nemo saiu correndo e pulou no meu colo! aí falei, é esse! ele me escolheu! hahaha deram a vacina nele na hora, nós pagamos também o vermífugo que tinha sido dado alguns dias antes e compramos tudo lá - caixinha sanitária, areia, ração, caixa de transporte -, nada mais justo com o veterinário, né?


quando estourou a guerra, você decidiu ir embora imediatamente?
não, sempre há a esperança de que será algo passageiro e que "eles" vão se resolver e terminar isso logo. digo "eles" porque um povo nunca quer estar em uma guerra. é algo que um a minoria resolve e todo mundo paga! mas quando o conflito foi se arrastando por cinco, sete, dez dias percebemos que era mesmo grave e que não iria terminar tão cedo. quando começaram a bombardear estradas, aeroportos, pontes, torres de energia e a matar civis tivemos a certeza de que tínhamos que sair dali  o quanto antes. aí ficou bem caótico, faltava energia por horas e horas todos os dias, não tínhamos mais água quente (no nosso prédio o sistema de aquecimento funcionava com combustível), não tinha gasolina, as prateleiras dos supermercados estavam vazias, não podíamos sair de casa, pois era perigoso...


como foi a decisão? o que teve que ser feito antes de sair do país?
decidimos ir à embaixada brasileira, que fica em beirut, que estava perigosíssima. o país é bem pequeno e morávamos em uma cidade chamada awkar, há 15 min de beirut. lá tive a informação que meu namorado não poderia ir comigo, pois não era brasileiro. uma pessoa me falou que animais também não podiam ir, ao mesmo tempo ouvi dizer que as pessoas estavam levando os animais, não sei qual informação procedia, estava tudo uma bagunça!

a embaixada brasileira me ligava sempre, me convocando para que eu fosse com eles nos ônibus do governo brasileiro. todas as brasileiras que conhecia estavam indo embora. inclusive fomos a uma igreja cristã tentar um casamento às pressas, mas o padre - bem burocrático - queria documentos meus aqui do brasil que comprovassem que frequentei a primeira comunhão, fiz crisma, que era solteira, etc etc. lá eles não têm casamento civil, só religioso, então essa era a única opção - frustrada- para que pudéssemos ir com a embaixada. começamos a procurar passagem aérea, mas como o aeroporto tinha sido bombardeado, tinha que ser pela síria. ficamos em uma lista de espera enorme para conseguir passagens. nesse meio tempo, meu namorado perdeu o emprego, assim como a maioria dos libaneses, e esgotamos a pequena reserva de dinheiro que tínhamos. mais ou menos 25 dias depois do início da guerra conseguimos passagens damasco-paris-são paulo, mas tivemos que pedir dinheiro emprestado para familiares dele para conseguirmos voltar ao brasil. ficamos lá no líbano nessa situação durante 30 dias e a guerra terminou no 36° dia.

passou pela sua cabeça em algum segundo deixar o nemo para trás?
eu até poderia deixá-lo com minha sogra, que é uma ótima pessoa e com certeza o alimentaria. entretanto, era diferente de deixar com minha mãe, pois ela não tem animais e nem tem vontade de tê-los,  entende? não queríamos deixar o nemo de jeito nenhum, ele fazia (e faz) parte de nossas vidas e nós o amamos, adoramos a companhia dele. então ou iríamos todos juntos, ou ficaríamos todos lá, assim como milhares de libaneses que não tinham para onde fugir.

como foi o trajeto até a síria?
foi tenso. só havia uma estrada aberta, o que tornou a viagem bem longa,  foram oito horas até damasco. tinha um trecho com uma cratera enorme, ainda saindo fumaça, tinha caído um míssil lá havia pouco tempo. fomos de táxi com um motorista sírio e isso não custou pouco.



o que passou pela sua cabeça neste trajeto?
estava ansiosa e com medo de cruzar a fronteira. tinha medo de não nos deixarem passar com o nemo. apesar de estarmos com relatório do veterinário comprovando a saúde dele e com a carteirinha de vacinação em dia, há muito abuso de poder em uma situação como essa. e nós não tínhamos dinheiro para pagar suborno de militar picareta. também havia o medo ser alvo de um caça israelense, claro. rezei o caminho inteiro!

quantas vezes você foi parada pela polícia?
só paramos na fronteira mesmo. o nemo tinha tomado calmante de uso veterinário e já estava mais calmo, não estava miando. joguei um casaco em cima da caixa de transporte e decidi não declarar que estava passando com ele. fiquei no carro e meu namorado levou meu passaporte, que carimbaram sem ao menos olhar para minha cara! quando estávamos saindo, militares nos pararam e falaram como motorista do táxi, ele falou que eu era brasileira e os militares abriram um sorrisão falando os nomes pelé, ronaldo e kaká ...  (salve o nosso futebol !!). enfim, nem notaram o nemo.

quando  você chegou à síria, qual foi seu sentimento?
de alívio. mas ainda tinha o aeroporto e o medo que não o deixassem embarcar. não encrencaram com ele, mas passaram o pobrezinho no raio x!! isso não deve ser feito, soube isso depois em paris.

quanto tempo vocês ficaram sem comer? e o nemo?
o nemo comeu ração na minha mão e bebeu água. nós só bebemos água e acho que tínhamos duas maçãs e duas bananas, não me lembro bem. foram mais de 16h do momento que deixamos nossa casa no líbano até entrar no avião na síria.

ele miou muito? fez coco ou xixi na caixinha?
miou só no começo no taxi, depois o calmante foi fazendo efeito e ele ficou quietinho. ele foi um anjinho a viagem inteira! não fez cocô, só uma vez fez xixi. nós o limpamos no banheiro do avião, já no trajeto paris-são paulo, com lenços umedecidos.

de quanto em quanto tempo você olhava se ele estava bem? como foi a viagem para o brasil?
ele ficou bem no avião?
no trajeto damasco-paris, ele foi fora da caixinha, no meu colo. eu tinha colocado uma coleira peitoral nele e prendi bem no meu braço. mas ele estava muito bonzinho. não deu trabalho nenhum. os passageiros e as comissárias iam até onde estávamos para brincar com ele.
depois de cinco horas de voo, ficamos mais quase outras horas no aeroporto em paris esperando o voo para são paulo. fiquei nervosa, pois eles não tinham caixa de transporte adequada para que ele pudesse se movimentar.  mas no fim acho que foi melhor, pois ele foi comigo na cabine. ouvi várias histórias de animais que morrem de frio no compartimento de bagagem.

no trajeto paris-são paulo, que durou 12 horas, dividi meu frango cozido com ele, que estava dentro da caixinha embaixo de meu assento. eu sempre colocava a mão dentro da caixinha para ver se estava tudo bem, e ele dormiu a maior parte do tempo.

chegando ao brasil, vocês já tinham lugar para ficar?  como foi isso?
tínhamos lugar para nós, no apartamento de um dormitório de um amigo. mas não podia levar nemo, pois já estávamos lá de favor e nós sabemos que gatos arranham móveis e estofados. conheci pessoas maravilhosas que se importaram com o que eu estava vivendo na comunidade do orkut "gatos". enquanto estava no líbano, contei minha história e disse que precisava de alguém que ficasse com o nemo  até eu achar um apto para alugar. acabei ficando bem próxima da cris e da roberta. no fim a ro ficou com o nemo, pois a gatinha da cris era bravinha que só e iria ficar muito estressada. elas são as madrinhas do nemo! sou eternamente grata às duas!

a história que eu fiquei sabendo é que ele ficou alguns meses na casa de alguém de favor. uma pessoa que você não conhecia? isso é verdade?
eu não a conhecia pessoalmente, mas a roberta e a cris foram ao aeroporto nos recepcionar, assim como o casal que estava nos cedendo o apto provisoriamente. senti que podia confiar na roberta, ela inspira isso. fomos até a casa dela, conheci os dois gatos lindos que ela tem, vi o cuidado da casa inteira telada, inclusive quintal e fiquei muito tranquila!

é verdade que você o visitava todos os dias?
todos os dias seria impossível porque estávamos os dois desempregados, ela mora na zona leste, nós na zona sul e tínhamos que procurar emprego e um lar definitivo. então nós íamos visitar o nemo todos os sábados! levávamos 1 h de ônibus e 20min de metrô.

quanto tempo ele ficou “morando” em outra casa? depois de quanto tempo você conseguiu levar ele para morar com você? como foi isso?
ficamos no apartamento emprestado do nosso amigo durante um mês e meio, até que ele resolveu se casar com a namorada (olha só, ainda servimos de cupido!) e perguntou se não queríamos transferir o contrato de aluguel. claro que aceitamos na hora e já combinamos com a ro para pegar o nemo de volta. ela sofreu quando ele foi embora, ele é muito adorável!! no mesmo dia adotamos a petita, de oito meses, com uma protetora muito querida que mora perto da ro, a deuzi.



o nemo se dá bem com ela? como foi a adaptação?
a primeira semana foi meio complicada, como sempre. mas o nemo faz amizade fácil, a petita que o estranhou um pouco. mas logo se deram super bem e eles estão sempre juntos!

quanto tempo você está com os dois?
desde outubro de 2006, então são quatro anos e três meses.



você pensa em ter filhos humanos? pq?
ainda não penso nesse assunto, por conta da vida que levamos aqui em são paulo. é muito tempo perdido no trânsito, muito trabalho, custo de vida alto, poluição... acho que se eu tiver um filho será por volta dos 40 anos e não será aqui nessa cidade.

10 comentários:

eva disse...

adorei a entrevista. prova que quando amamos nossos animais ficamos juntos mesmo nos momrntos dificies. e pensar que tem gente que abandona por qualquer motivo.

Art by Lu disse...

Que bacana!
Essa história mostra que quando a pessoa quer, não abandona MESMO!! =D

Iara disse...

Entrevista muito legal, qdo a pessoa ama seu animal de verdade faz tudo por ele, não abandona, mesmo nos momentos + difíceis.Mas como a Eva disse tem gente que abandona por qualquer motivo...isso é falta de amor e compaixão com seres tão indefesos...=^^= pois vc vê nas ruas até os carrinheiros não abandonam seus animais, são seus amigos e lhe protegem...mil lambeijos!!

Milene disse...

Muito legal. O amor verdadeiro é bom, não abandona, não maltrata. Quem ama cuida, protege, abriga. Quem ama é responsável.
Desejo uma vida bem feliz para essa família.

Ana, Anjogatos disse...

Linda história, que sirva de lição para quem abandona na primeira dificuldade. Beijos, linda semana.

Blog da Su disse...

História linda realmente!Fico feliz quando vejo um amor assim afinal é bem mais comum a gente ver o contrário né, pessoas que abandonam, maltratam.Muitas felicidades a essa família!

Angela Belluomini disse...

Fiquei emocionada! Fiz parte desse grupo da comunidade Gatos do Orkut.
Foi assustador. A Janaina ficava vários dias sem dar notícis, porque a Internet lá estava complicada. Nós, da comunidade, ficávamos aflitíssimos.
Quando começou a viagem, ficamos sem notícias por alguns dias e foi angustiante. Foi uma torcida incrível para tudo dar certo!
Graças a história do Nemo, fiz algumas amizades maravilhosas no Orkut.
Essa história aproximou muitas pessoas.
E, por causa do Nemo, fique amiga da Sônia. Juntas, montamos um projeto de castração dos gatos de um Parque no Rio que, agora, serão transferidos para um local definitivo, seguro e com muito amor.
Nosso projeto se chama Gatos Encantados.
Valeu, Nemo e Janaína. A história de vocês foi muito marcante, linda e com um final super feliz!
Adoro saber que, de alguma forma, mesmo de longe, tive a oportunidade de viver essa história com vocês!
Um grande abraço e adorei saber que vocês estão bem!!!
Angela Belluomini

Patrícia disse...

Eu acompanhei a viagem na comunidade do orkut, fico feliz em ter notícias do Nemo novamente :)

Felina disse...

nossa que hsitória incrível e como já disseram, qdo amamos tudo é possível mesmo, mulher de fibra e muita coragem, que ela continue sempre assim, parabéns!

disse...

Já tinha escutado essa história e ela é incrível! Um tapão na cara dos ridículos que abandonam os bichos por qq coisa e dão as desculpas mais esfarrapadas. Muita felicidade a essa família linda! :)